Conciliação nas Serventias: Relato Histórico

No Brasil, o Registro Civil das Pessoas Naturais foi atribuído ao Escrivão do Juizado de Paz, conforme previsão do Decreto nº 5.604, de 25 de março de 1874, que instituiu o Regulamento para execução do art. 2° da Lei n° 1829 de 9 de setembro de 1870, na parte em que estabeleceu o registro civil dos nascimentos, casamentos e óbitos.

De acordo com o referido Decreto: “Art. 2º É encarregado dos assentos, notas e averbações do registro civil, em cada Juizado de Paz, o Escrivão respectivo, sob a immediata direcção e inspecção do Juiz de Paz, a quem cabe decidir administrativamente quaesquer duvidas que occorrerem, emquanto os livros do registro se conservarem no seu Juizo.”

Ressalte-se que o território nacional já contava com uma estrutura organizada de serventias, instaladas em decorrência da previsão da “Constituição Politica do Imperio de 25 de Março de 1824“.

Previu essa Constituição que:

“Art. 161. Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo algum.
Art. 162. Para este fim haverá juizes de Paz, os quaes serão electivos pelo mesmo tempo, e maneira, por que se elegem os Vereadores das Camaras. Suas attribuições, e Districtos serão regulados por Lei.”

Posteriormente, foi editado o “Codigo do Processo Criminal de primeira instancia com disposição provisoria ácerca da administração da Justiça Civil“, de 29 de novembro de 1832.

Conforme referido diploma:

“Art. 1º Nas Provincias do Imperio, para a Administração Criminal nos Juizos de primeira instancia, continuará a divisão em Districtos de Paz, Termos, e Comarcas.

Art. 2º Haverá tantos Districtos, quantos forem marcados pelas respectivas Camaras Municipaes, contendo cada um pelo menos, setenta e cinco casas habitadas.
[…]
Art. 4º Haverá em cada Districto um Juiz de Paz, um Escrivão, tantos Inspectores, quantos forem os Quarteirões, e os Officiaes de Justiça, que parecerem necessarios.

[…]

TITULO UNICO
Disposição provisoria ácerca da administração da Justiça Civil
Art. 1º Póde intentar-se a conciliação perante qualquer Juiz de Paz aonde o réo fôr encontrado, ainda que não seja a Freguezia do seu domicilio.
[…]

Art. 6º Nas causas, em que as partes não podem transigir, como Procuradores Publicos, Tutores, Testamenteiros; nas causas arbitraes, inventarios, e execuções; nas de simples officio do Juiz; e nas de responsabilidade; não haverá conciliação.
Art. 7º Nos casos de se não conciliarem as partes, fará o Escrivão uma simples declaração no requerimento para constar no Juizo contencioso, lançando-se no Protocolo, para se darem as certidões, quando sejam exigidas. Poderão logo ser as partes ahi citadas para Juizo competente que será designado, assim como a audiencia do comparecimento, e o Escrivão dará promptamente as certidões.”

No Estado de São Paulo essa sistemática prevaleceu por quase um século. No entanto, com a edição do “Código do Processo Civil e Commercial do Estado de São Paulo“, instituído pela Lei nº 2.421, de 14 de janeiro de 1930, o assunto passou a ter a seguinte regulamentação:

“Art. 368 – As pessoas capazes de transigir, que se apresentarem voluntariamente perante qualquer juiz de paz, declarando que desejam conciliar-se, em matéria susceptivel de transacção, serão admittidas a expôr verbalmente o caso, dar explicações e provas, e fazer propostas e contra-propostas para a solução da duvida.
Art. 369 – Em seguida à exposição e provas, procurará o juiz levar as partes a um accordo.
Art. 370 – No acto conciliatorio poderão as partes sujeitar-se à decisão arbitral do juiz ou de terceira pessoa.
Art. 371 – Do occorrido lavrará o escrivão, no protocollo das audiências, um termo circumstanciado, que será assignado pelo juiz, pelas partes e por duas testemunhas.
§ unico – O termo de conciliação, quando esta se verificar, terá força de sentença.”

Por sua vez, o Código de Processo Civil de 1939, editado em âmbito nacional, não previu a possibilidade de conciliação nos Juizados de Paz. A Constituição então vigente, de 1937, assim preceituava: “Art 104 – Os Estados poderão criar a Justiça de Paz eletiva, fixando-lhe a competência, com a ressalva do recurso das suas decisões para a Justiça togada.”

E a partir do início da década de 1940 houve uma drástica diminuição na utilização do mecanismo de conciliação nos Juizados de Paz no Estado de São Paulo.

Posteriormente, a Constituição de 1967 previu, no art. 136, § 1º, alínea c, que: “A lei poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça: […] c) Justiça de Paz temporária, competente para habilitação e celebração de casamentos e outros atos previstos em lei e com atribuição judiciária de substituição, exceto para julgamentos finais ou irrecorríveis”, disposição similar à do art. 144, §º, alínea c, da Emenda Constitucional nº 1, de 1969.

Finalmente, a Constituição vigente, de 1988, previu no art. 98, II, que: “A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: […] II – justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação.”

Embora a Constituição de 1988 tenha previsto expressamente a implantação dos Juizados de Paz, com atribuições conciliatórias, o fato é que, no Estado de São Paulo, o assunto não foi até o momento disciplinado.

Em breve tratarei mais desse assunto!

reinaldovelloso

Tabelião, Mestre e Doutor em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo