No início desta semana foi publicada no Diário Oficial da União a Circular nº 3.829, de 9 de março de 2017, do Banco Central do Brasil, que permitiu a utilização, nos contratos de câmbio, de assinatura eletrônica em formato cuja validade seja admitida pelas partes.
Na sistemática anterior era prevista apenas a utilização de assinatura digital no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, instituída pela Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, vigente nos termos da Emenda Constitucional nº 32. Com efeito, dispunha a Circular nº 3.691, de 16 de dezembro de 2013, que:
“Art. 42. Relativamente à assinatura dos contratos de câmbio:
I – o Banco Central do Brasil somente reconhece como válida a assinatura digital dos contratos de câmbio por meio de utilização de certificados digitais emitidos no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas (ICP-Brasil), sendo responsabilidade da instituição interveniente a verificação da utilização adequada da certificação digital por parte do cliente na operação, incluindo-se a alçada dos demais signatários e a validade dos certificados digitais envolvidos;
II – no caso de assinatura manual, esta é aposta após a impressão do contrato de câmbio, em pelo menos duas vias originais, destinadas ao comprador e ao vendedor da moeda estrangeira.
Art. 43. No caso de certificação digital no âmbito da ICPBrasil, a instituição autorizada a operar no mercado de câmbio, negociadora da moeda estrangeira, deve:
I – utilizar aplicativo para a assinatura digital de acordo com padrão divulgado pelo Departamento de Tecnologia da Informação (Deinf) do Banco Central do Brasil;
II – estar apto a tornar disponível, de forma imediata, ao Banco Central do Brasil, pelo prazo de cinco anos, contados do término do exercício em que ocorra a contratação ou, se houver, a liquidação, o cancelamento ou a baixa, a impressão do contrato de câmbio e dele fazer constar a expressão “contrato de câmbio assinado digitalmente”;
III – manter pelo mesmo prazo, em meio eletrônico, o arquivo original do contrato de câmbio, das assinaturas digitais e dos respectivos certificados digitais.”
Com a publicação do novo ato normativo, tais disposições passaram a ter a seguinte redação:
“Art. 42.
……………………………………………………………………………………..I – é permitido o uso de assinatura eletrônica;
……………………………………………………………………………………..
§ 1º Considera-se assinatura eletrônica, para fins do disposto no inciso I do caput, as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário:I – certificados digitais emitidos no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas (ICP-Brasil); ou
II – outros meios de comprovação de autoria e integridade de documentos de forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitidos pelas partes como válidos, na forma da legislação em vigor.
§ 2º No caso de utilização de assinatura eletrônica, é de exclusiva responsabilidade da instituição autorizada a operar no mercado de câmbio assegurar o cumprimento da legislação em vigor, garantindo a autenticidade e a integridade do documento eletrônico, bem como das respectivas assinaturas eletrônicas, incluindo-se a alçada dos demais signatários.” (NR)
Art. 43. No caso de uso de assinatura eletrônica no contrato de câmbio, a instituição autorizada a operar no mercado de câmbio, negociadora da moeda estrangeira, deve:
……………………………………………………………………………………..II – estar apta a tornar disponível, de forma imediata, ao Banco Central do Brasil, pelo prazo de cinco anos, contados do término do exercício em que ocorra a contratação ou, se houver, a liquidação, o cancelamento ou a baixa, a impressão do contrato de câmbio e dele fazer constar a expressão ‘contrato de câmbio assinado eletronicamente’;
III – manter pelo prazo de cinco anos o documento eletrônico com as informações do contrato de câmbio e as respectivas assinaturas eletrônicas, bem como a comprovação de que o mecanismo empregado para assinatura eletrônica corresponde àqueles previstos no § 1º do art. 42.
Parágrafo único. No caso de contrato de câmbio assinado por meio de utilização de certificados digitais emitidos no âmbito da ICPBrasil, é admitida, até 31 de dezembro de 2017, a utilização da expressão ‘contrato de câmbio assinado digitalmente’ para fins de atendimento do inciso II.” (NR)”
Verifica-se, assim, que houve o reconhecimento da validade de documentos eletrônicos produzidos por outros meios, permitindo a utilização de assinatura eletrônica, conceito mais amplo que o de assinatura digital, na forma do § 2º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001. Conforme tal disposição:
“Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.
[…]
§ 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.”
Tal mudança acarreta impactos na atividade dos tabeliães de protesto, haja vista a previsão no art. 75 da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, de que:
“Art. 75. O contrato de câmbio, desde que protestado por oficial competente para o protesto de títulos, constitui instrumento bastante para requerer a ação executiva.”
Cabe apontar que a permissão de assinatura digital do contrato de câmbio, introduzida há mais de uma década, acarretou mudanças nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, incorporadas pelo Provimento CG nº 28/2005. No Parecer exarado pelo magistrado José Antonio de Paula Santos Neto, à época Juiz Auxiliar da Corregedoria, constou que:
“o Banco Central, pela Circular nº 3.234, de 15 de abril de 2004, passou a prever a assinatura digital em contratos de câmbio, por meio da utilização de certificados digitais emitidos no âmbito da supra mencionada ICP-Brasil.
Emitiu, a seguir, a Carta-circular nº 3.134, de 27 de abril de 2004, divulgando os procedimentos e padrões técnicos para uso de assinatura digital em contratos dessa peculiar natureza.
A matéria se acha, pois, abrigada pelo ordenamento e bem regulamentada, valendo destacar que, ainda na órbita do Banco Central, foi concebido ‘programa para conferência da assinatura digital de contratos de câmbio’, consubstanciado no aplicativo CADIC, disponível no endereço eletrônico daquela instituição (www.bcb.gov.br).
Existem suficientes condições, portanto, ante a implantação dos aludidos mecanismos de controle (fls. 05/14), tanto normativos, quanto técnicos, para que a postulação em foco seja acolhida.
Tal se mostra, inclusive, interessante para que, a partir do resultado prático superveniente, sejam colhidos subsídios empíricos com o fito de instruírem futuros estudos referentes à ampliação do emprego de meios eletrônicos e digitais na seara do serviço delegado notarial e de registro.”
Posteriormente, diante da indisponibilidade do mencionado programa para conferência da assinatura digital, o texto das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça foi alterado pelo Provimento CG nº 27/2013 para constar que:
“26. Os contratos de câmbio podem ser recepcionados por meio eletrônico, se realizada, em qualificação, conferência das assinaturas digitais com emprego do programa específico disponibilizado pelo Banco Central do Brasil, observadas as respectivas instruções de uso.”
Ocorre que doravante haverá a necessidade de protesto de contratos de câmbio assinados eletronicamente por outros meios de comprovação de autoria e integridade de documentos de forma eletrônica, desde que sua validade seja admitida pelas partes.
E, até que o texto das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado seja adequado à nova possibilidade, não necessariamente restrita ao contrato de câmbio, mas aplicável em tese a outras modalidades de documentos, fica a indagação: como será feita a apresentação do contrato de câmbio firmado nessas circunstâncias?
Parece-me que a resposta se encontra na legislação processual civil, cujas regras podem ser aplicadas por analogia.
De acordo com art. 425 do Código de Processo Civil:
“Art. 425. Fazem a mesma prova que os originais:
[…]
V – os extratos digitais de bancos de dados públicos e privados, desde que atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem com o que consta na origem”.
Como a normatização do Banco Central do Brasil exige a manutenção pelas instituições financeiras dos arquivos eletrônicos correspondentes ao contrato e às assinaturas eletrônicas, as informações constantes do banco de dados da instituição credora poderão ser transpostas para um extrato, desde que o emitente ateste, sob as penas da lei, que as informações conferem com o que consta na origem.
Esse extrato, diante do expresso reconhecimento legal de sua aptidão como meio de prova, equivalente ao original, pode ser enquadrado no item 23 do Capítulo XV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, segundo o qual:
“23. Os documentos de dívida podem ser apresentados no original ou em cópia autenticada ou cópia digitalizada, mediante arquivo assinado digitalmente, no âmbito do ICP-Brasil, sendo de responsabilidade do apresentante o encaminhamento indevido ao Tabelionato.”
Por fim, parece-me oportuna a alteração das mencionadas Normas de Serviço, para expressamente incluir dispositivo aplicável a situações como as relativas a contratos dessa espécie.
Essa mudança seguiria o caminho trilhado em 2013, por ocasião da revisão do Capítulo XV das Normas de Serviço, no qual se propugnou pela incorporação dos novos paradigmas da era digital. No Parecer exarado à época constou que:
“As inovações propostas buscam, ainda, afinar a normatização administrativa com a era digital em que vivemos, com a nova forma de sociedade, a sociedade de rede aludida pelo sociólogo Manuel Castells, para a qual migramos impulsionados pela internet, por meio e em torno da qual as atividades econômicas, sociais, políticas e culturais estão sendo estruturadas (5).
A internet molda a sociedade contemporânea e, particularmente, a nova economia mencionada por Castells, energizada pela tecnologia da informação, organizada e estruturada em torno de redes de computadores, fios condutores de negócios eletrônicos, da nova forma de condução de negócios, enfim, transformou a organização dos negócios, a prática empresarial, as relações econômicas e os processos de produção e distribuição (6).
Newton de Lucca, atento ao misoneísmo próprio do universo jurídico, adverte: o desenvolvimento tecnológico, o processo de aceleração histórica, a rápida transformação dos meios de pagamento, em suma, a passagem do mundo analógico para o digital – da qual são exemplos as relações jurídicas celebradas em meio virtual, a assinatura eletrônica e a certificação digital –, impõe a incorporação de novos paradigmas (7).
A progressiva desmaterialização dos títulos de crédito (e dos documentos em geral), associada ao tratamento magnético das informações, ao registro da concessão e circulação do crédito com uso dos recursos da informática e à substituição do suporte papel, físico, pelo digital, com inegável repercussão sobre os princípios cambias da cartularidade e literalidade, é evidente (8), e não pode ser desprezada.
(5) A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. p. 7-8.
(6) Op. cit., p. 56-97.
(7) Newton de Lucca. O direito de arrependimento no âmbito do comércio eletrônico. In: Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo. v. II, n.º 4, dez/2012. p. 11-40.
(8) Fábio Ulhoa Coelho. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 11.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 387-388.”
É o que se sugere.